Medicina Reprodutiva
As dificuldades para engravidar atingem entre 10 e 15% dos casais em idade reprodutiva. Os mecanismos de concepção são complexos e dependem de muitos fatores. A chance de um casal saudável engravidar por meios naturais é, em média, 25% ao mês. Os especialistas consideram a existência de problemas de fertilidade quando não há gravidez após um ano de relações sexuais frequentes sem o uso de anticoncepcionais.
De modo geral, 40% dos casos de infertilidade são atribuídos a fatores masculinos, 40% estão relacionados à mulher e 20% decorrem da combinação de distúrbios do casal.Infertilidade
As disfunções hormonais estão entre os fatores mais comuns relacionados à infertilidade feminina. Um exemplo é a anovulação, que ocorre quando os mecanismos hormonais reguladores do ciclo reprodutivo falham e os ovários não liberam óvulos para a fecundação. Uma das principais causas para a dificuldade de ovulação é a síndrome dos ovários policísticos, um distúrbio que atinge cerca de 10% das mulheres e pode ser decorrente da produção em excesso de androgênio, hormônio masculino, provocando ciclos menstruais irregulares e sintomas como acne e ganho de peso. A deficiência do corpo lúteo, o tecido que se forma no folículo após a liberação do óvulo pelo ovário, também pode dificultar a gravidez. O corpo lúteo é responsável pela produção hormonal que favorece a implantação do embrião no útero e, por impedir a menstruação, manter a gravidez através da produção dos hormônios progesterona e estradiol. Nem sempre, no entanto, há produção hormonal adequada para essas tarefas e a gravidez pode não ocorrer ou ser interrompida.
Outros fatores hormonais para infertilidade são as doenças da tireóide – hipertireoidismo ou hipotireoidismo; e o aumento das taxas de prolactina, hormônio normalmente secretado durante e após a gravidez para estimular a produção de leite, que, fora da gestação, torna os ciclos menstruais irregulares.
A obstrução e a perda da função das tubas são causas importantes de infertilidade entre as mulheres. O encontro do óvulo com o espermatozoide ocorre nas tubas e são elas que devem conduzir o embrião até o útero. Elas precisam, portanto, estar livres e com seus movimentos normais.
As doenças inflamatórias da pelve, especialmente as causadas por Chlamydia e Gonococus, podem comprometer as tubas quando não tratadas adequadamente. A endometriose é outro fator que interfere na atuação das tubas durante o processo de fecundação.
Doenças que alteram a cavidade uterina podem dificultar ou impedir a gravidez. Os miomas e pólipos, dependendo da localização e do tamanho, às vezes causam deformidades na parede interna do útero, o endométrio, impedindo a fixação do embrião. O mesmo pode acontecer em decorrência de “cicatrizes” resultantes de curetagens ou infecções. As malformações uterinas, como o útero bicorno (dividido), também são fatores impeditivos para a gravidez.
Cerca de 7% das mulheres em idade reprodutiva sofrem de endometriose, mas não há, ainda, uma teoria definitiva sobre as causas da doença. O problema consiste na implantação de tecido do endométrio, a camada interna do útero que se renova mensalmente, em outros locais que não a cavidade uterina. A endometriose se inicia durante a menstruação, quando fragmentos do endométrio passam pelas tubas e caem no abdome. Se o sistema imunológico não atua contra esses “corpos estranhos” ao local, realizando uma varredura, esses fragmentos se instalam nos ovários, tubas e outras áreas, causando reações inflamatórias, que podem evoluir para aderências e cicatrizes. Por isso, a presença de endometriose dificulta a implantação do embrião no útero e aumenta os riscos de aborto.
Ao nascer, a mulher tem cerca de 2 milhões de óvulos, que amadurecem e se tornam disponíveis para a fecundação ao longo da vida reprodutiva. Ao contrário dos espermatozoides, que são produzidos constantemente, os óvulos envelhecem no organismo feminino. A idade, além de causar redução numérica significativa dos óvulos a partir dos 37 anos – aos 40 anos uma mulher tem cerca de 50 mil óvulos e, quando chega à menopausa, esse número cai a quase zero – o envelhecimento afeta também a qualidade dos gametas femininos. Com o passar do tempo, os mecanismos de divisão celular já não são tão eficientes, fazendo com que a incidência de alterações cromossômicas, como a síndrome de Down, seja maior durante a formação embrionária.
As pesquisas também demonstram que úteros de mulheres mais velhas são menos permeáveis à implantação dos embriões. Por todas essas razões, mulheres por volta dos 40 anos que desejam ser mães são aconselhadas a engravidar com o acompanhamento de um especialista em reprodução assistida.
Os espermatozoides são considerados normais quando estão de acordo com padrões específicos. As seguintes alterações morfofuncionais podem comprometer a fertilidade masculina: oligospermia (baixa contagem de espermatozoides), astenospermia (baixa motilidade) ou teratospermia (alta incidência de formas anormais).
A azoospermia (ausência de espermatozoides) pode ser consequência da obstrução dos canais deferentes ou do epidídimo – região onde são armazenados os espermatozoides após sua produção. A falta de espermatozoides também está relacionada a possíveis falhas dos testículos, causada por problemas congênitos, genéticos, hormonais ou doenças infecciosas, como caxumba.
As varizes dos testículos afetam cerca de 10% dos homens. A dilatação das veias da região dos testículos, especialmente após exercícios físicos, dificulta o retorno venoso, aumentando a temperatura local. Como consequência, a qualidade do sêmen fica comprometida com diminuição da motilidade e da produção dos espermatozoides.
Fatores imunológicos também alteram a fertilidade masculina. A produção de anticorpos que atuam contra os próprios espermatozoides pode acontecer após uma cirurgia, trauma ou infecção na área genital. Os anticorpos diminuem a motilidade e comprometem a habilidade do espermatozoide de penetrar e fertilizar o óvulo. Por isso, doenças acompanhadas de febre, infecções e traumas na região genital merecem atenção na investigação de causas para a infertilidade. O mesmo vale para exposição à radiação e o uso de substâncias tóxicas.
Tratamentos
e Técnicas
As técnicas de reprodução assistida trazem excelentes resultados quando bem utilizadas. O CEERH oferece tecnologia, conhecimento e experiência para aplicar os recursos disponíveis a cada paciente, em tratamentos personalizados.
A combinação de técnicas, dosagens específicas de medicamentos e adaptações nos procedimentos de acordo com o caso, determinam, em grande parte, o sucesso na luta contra a infertilidade.Utilizada quando há pouco volume ou baixa concentração e motilidade dos espermatozoides. Pode ser válida também para contornar alterações do muco cervical – que auxilia a migração dos gametas masculinos para as tubas. Após passarem por um tratamento no laboratório, os espermatozoides são depositados na cavidade uterina durante o período de ovulação (em ciclo natural ou induzido). É um procedimento simples, realizado por meio de um cateter introduzido no útero. As chances de sucesso estão entre 20 e 30% por ciclo de tentativa, dependendo da causa da infertilidade.
Na ovulação natural, apenas um folículo amadurece, liberando um óvulo. Com o estímulo de medicamentos, a atividade ovariana é aumentada com a intenção de disponibilizar vários óvulos para a fecundação e preparar o útero para receber o embrião. O uso de hormônios é indicado no caso de ovulações irregulares e como parte do processo de fertilização in vitro.
Grande marco da medicina reprodutiva no final dos anos 70, hoje a fertilização in vitro é uma das técnicas mais utilizadas no tratamento de uma vasta gama de problemas de infertilidade, especialmente os relacionados aos fatores femininos. Na FIV, a fecundação do óvulo pelo espermatozoide não ocorre no corpo da mulher, mas em uma placa de cultura, no laboratório. Vários protocolos têm sido realizados desde o surgimento da FIV, trazendo uma série de variações, como o uso de determinados medicamentos em doses diferenciadas, adaptando o uso da técnica a cada caso de infertilidade.
Veja as etapas da FIV:
1. Estímulo para os ovários: Estimulação ovariana com drogas antiestrogênicas (citrato de clomifeno ou letrozole) e os hormônios folículo-estimulante (FSH) e/ou luteinizante (LH) é utilizada para fazer crescer um número maior de óvulos. Em seguida, outro hormônio, a gonadotrofina coriônica humana ou recombinante, atua para a maturação final dos óvulos.
2. Aspiração e seleção dos óvulos: Quando estão maduros, todos os folículos disponíveis são coletados por aspiração com o uso da ultrassonografia transvaginal como guia. O procedimento é rápido e indolor e, em geral, são aspirados de sete a 15 óvulos em pacientes com resposta dentro da faixa normal. Os melhores gametas são selecionados para a fecundação.
3. Fertilização: Enquanto os óvulos passam um curto período “incubados”, é solicitada uma amostra de sêmen ao futuro pai no dia do procedimento. O material, então, é tratado no laboratório com o objetivo de potencializar a ação dos espermatozoides. Óvulos e espermatozoides se encontram em um recipiente especial para a fecundação natural e formação dos embriões no caso da fertilização in vitro convencional. Outra técnica que pode ser utilizada para a inseminação dos óvulos consiste na injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI) na qual um único espermatozoide é colocado no interior do óvulo com o auxílio de uma agulha de injeção específica para esse procedimento.
4. Maturação: Os embriões são colocados em uma incubadora que simula o ambiente da tuba uterina até se dividirem em oito células ou mais. Essa fase leva por volta de 72 horas e pode se estender até 120/144 horas, caso seja necessária a realização de biópsia embrionária.
5. Transferência para o útero: Os embriões são selecionados de acordo com alguns fatores que indicam sua qualidade e estágio de desenvolvimento em laboratório: a) Transferência em 72 horas: devem ter, no mínimo, entre seis e oito células simétricas, não apresentar fragmentos e estar envolvidos por uma zona pelúcida fina; b) Transferência em 120/144 horas: devem estar no estágio de blastocisto, preferencialmente com grau igual ou superior a 3 (de acordo com a classificação de blastocistos). Sempre que possível, os melhores embriões são transferidos para o útero, em um número que varia de um a quatro de acordo com a idade materna e as chances de gravidez.
6. Criopreservação de embriões: caso haja embriões excedentes de boa qualidade ou no caso de diagnóstico genético pré-implantacional, os embriões são congelados por uma técnica conhecida como vitrificação que permite uma taxa de sobrevivência com qualidade inalterada após o descongelamento de cerca de 98%.
Desenvolvida nos anos 90, a ICSI modificou profundamente o tratamento da infertilidade masculina, tornando a paternidade viável mesmo para homens vasectomizados, com raros espermatozoides ou com sério comprometimento morfológico e funcional dos gametas masculinos. O procedimento é realizado por profissionais especialmente treinados, com o auxílio de micromanipuladores acoplados a microscópios e uso de controle remoto. O óvulo é imobilizado enquanto uma agulha, mais fina que um fio de cabelo, introduz um único espermatozoide em seu citoplasma, rompendo a zona pelúcida – a membrana protetora do óvulo. É uma fecundação “assistida”, que independe da qualidade ou quantidade de espermatozoides. Depois da fertilização, o procedimento segue os mesmos padrões da FIV comum. O desenvolvimento da ICSI derrubou a ideia de que os espermatozoides necessitam passar por todo o trato genital masculino para serem capazes de fecundar. Foram criadas várias técnicas de coleta dos gametas masculinos diretamente do testículo ou do epidídimo, local onde os espermatozoides são produzidos e armazenados, respectivamente. Combinada com o trabalho nos laboratórios, que em meios de cultura especiais capacitam os gametas masculinos com pouca motilidade ou com alterações morfológicas, essa tecnologia é uma resposta promissora à infertilidade masculina.
Utilizada em pacientes com ausência congênita de canais deferentes, obstrução do epidídimo em decorrência de infecções ou ainda disfunções na ejaculação devido a doenças como diabetes e esclerose múltipla. Especialmente indicada para homens vasectomizados como alternativa à cirurgia de reversão.
Utilizada em pacientes com azoospermia (ausência de espermatozóides na ejaculação) não causada por obstruções.
PESA e TESA são procedimentos pouco invasivos e com baixo risco de complicações.
Técnica auxiliar para facilitar a implantação do embrião no útero materno, utilizada especialmente no tratamento de mulheres com mais de 38 anos. Quando está “pronto” para ser implantado, por volta do 5º/6° dia de fecundação, o embrião deve dissolver naturalmente seu invólucro protetor – a zona pelúcida. No entanto, algumas razões, como a idade do óvulo, tornam essa camada mais espessa e dificultam a implantação. O Assisted Hatching consiste em abrir “janelas” na zona pelúcida por meios químicos, mecânicos ou com o uso de laser.
A biópsia embrionária é geralmente realizada no 5° ou 6° dia do desenvolvimento embrionário (quando o embrião se encontra no estágio de blastocisto). Nesse procedimento, algumas células (cerca de 5 a 7 células) da futura placenta (trofectoderma) do blastocisto são removidas e enviadas ao laboratório de análise genética. O diagnóstico genético pré-implantacional é feito para a detecção de anomalias do número de cromossomos dos embriões (PGT-A) ou para a detecção de uma doença genética específica (familiar) usualmente causada pela alteração de um único gene (PGT-M) antes da transferência do embrião para o útero materno. O PGT-A permite a identificação do embrião mais adequado e saudável para a transferência. Pacientes candidatas a essa técnica incluem idade materna avançada (acima de 35 anos), pacientes com histórico de abortamentos de repetição (dois ou mais abortos consecutivos) e pacientes com falha de implantação após a transferência de embriões de boa qualidade em ciclos prévios de fertilização in vitro. O PGT-M é utilizado para a detecção de defeitos geneticamente herdados com o objetivo de selecionar o(s) embrião(ões) que seja(m) livre da mutação familiar estudada (por exemplo: hemofilia, anemia falciforme, etc.) e pode ser realizado em conjunto com o PGT-A para a seleção do embrião livre da mutação e com o número correto de cromossomos, aumentando assim a chance de sucesso do ciclo de tratamento.
Situações Especiais
O avanço das técnicas de criobiologia possibilitou o desenvolvimento de protocolos de criopreservação de óvulos (oócitos) com altas taxas de sobrevivência no descongelamento, mantendo as mesmas taxas de fertilização e de desenvolvimento embrionário obtidas com óvulos não congelados (criopreservados). Essa técnica é indicada para mulheres jovens que desejam postergar a maternidade mantendo as chances de sucesso que são obtidas na idade na qual os óvulos (oócitos) foram congelados (criopreservados) e para pacientes com câncer que serão submetidas a tratamento de quimioterapia e desejam preservar a fertilidade.
Para mulheres com baixa reserva ovariana (número diminuído de folículos nos ovários), mulheres acima de 40 anos de idade ou mulheres jovens com sinais de falência ovariana prematura foi desenvolvido um novo protocolo de tratamento em ciclos de fertilização in vitro. Neste protocolo, conhecido como DuoStim (estimulação ovariana dupla), duas aspirações foliculares são realizadas em um único ciclo de fertilização in vitro, aumentando assim a taxa de recuperação de óvulos (oócitos) em pacientes com baixa reserva ovariana. A estimulação ovariana começa como em um ciclo convencional (segundo ou terceiro dia do ciclo menstrual) e, geralmente, após a retirada dos óvulos (oócitos), uma nova estimulação ovariana é iniciada em cerca de quatro dias após a recuperação dos óvulos (oócitos). Usualmente, a duração dessa segunda estimulação ovariana é menor. Esse método permite a recuperação de um grupo adicional de óvulos (oócitos) em pacientes com baixa reserva ovariana. Em ciclos de DuoStim todos os embriões obtidos são congelados (criopreservados) e transferidos em outro ciclo menstrual.